Parafraseando nosso grande mestre Drummond e sua belíssima obra, “Amar se aprende amando”, não há assertiva maior do que a que escolhemos como tema central do evento que ora se apresenta: CUIDAR SE APRENDE CUIDANDO.
Não há teoria, conjecturas ou experimentos que substituam o exercício cotidiano que é cuidar. Cuidar do outro, de si, da cidade em que moramos, do bairro e porque não, do mundo que habitamos.
Mas “sem omitir o real cotidiano, também matéria de poesia” o cuidado ao outro, nos dias atuais, tem sido relegado a segundo plano, seja pela correria justificada do dia a dia, pelo narcisismo injustificável que domina, pela banalização quase normalizada do descuido, seja pela sensação de impotência e insuficiência que nos cerca. Cuidar do outro?! Não dou conta de cuidar de mim mesmo! É a frase que impera.
Mas cuidar é do gênero humano, e muito mais do que inato, como querem acreditar alguns, constitui-se em um exercício que requer aprendizado, paciência, constância, altruísmo e, principalmente, querer.
Na área da Saúde aprendemos a cuidar tecnicamente, especializando-nos primeiramente na profissão que escolhemos, em que teoria e prática, aptidão e frustação se somam na experiência que vai se acumulando no nosso dia a dia. Quanto mais experiência temos, mais reconhecemos nossa incompletude e parcialidade. Só essa vivência nos mostra o quanto precisamos do outro, seja esse outro paciente, família, profissionais de diferentes áreas, colegas da mesma profissão ou parceiros institucionais. O cuidado só se concretiza na relação; seja esta relação de amor, dor, responsabilidade, conveniência, obrigação, devoção.
“O tempo passa? Não passa.” Recita-nos o poeta. Sensação presente nos relatos dos pacientes graves e cronicamente enfermos, cuja vida, às vezes se resume em ser doente.
“Eu quisera ver o mundo”, continua Drummond, mas a vida foi reduzida à tarefa de cuidar do familiar enfermo por décadas de dependência, em algumas situações, sem auxílio, sem políticas públicas condizentes com a necessidade das famílias vulneráveis e sem nenhuma garantia após o desenrolar da situação.
Sobre “o primeiro morto”, verseja nosso poeta maior. Quantos familiares vivem essa situação pela primeira vez? Quais os cuidados a serem dispensados pelas equipes de atenção domiciliar no intuito de garantir uma morte digna e não traumática para quem a acompanhará?
Como não poderíamos esquecer, a pandemia nos mostrou que “uma pedra havia no meio do caminho”. Uma “pedra” que nos relegou ao isolamento social, nos obrigou a repensarmos nossas prioridades e necessidades, a valorizarmos o que anteriormente nem notávamos existir e a convivermos com uma doença grave, com a morte ou com o risco desta. Mas “a pedra”, contornada no caminho, deixou seu legado: aprendemos? Ainda estamos aprendendo: os limites e possibilidades dos atendimentos online, dos cursos à distância e das aproximações com segurança. Limites espaciais, emocionais e institucionais; o quanto o distanciamento social nos protege, mas também isola, impacta e faz sofrer.
“O mundo é grande”, nos lembra Drummond, mas pode se resumir à casa visitada diariamente para quem nela habita. Um mundo de valores, fragilidades, possibilidades, amor, desamor, cuidados e descuidos. Um mundo que requer respeito e cuidado.
“Cuidar se aprende cuidando”: aprende-se no dia a dia da atenção domiciliar que atender no mundo do outro é, primeiramente se despir de certezas prévias e reconhecer limites, possibilidades, fragilidades e potências de cada um de nós, profissionais, e principalmente do espaço que nos é aberto para também aprendermos a nele estar. Um espaço que pode nos limitar, mas por outro lado, pode nos abrir um universo de possibilidades.
Essa é a proposta do CIAD 2023: demonstrar como tem se tornado grande o mundo da assistência domiciliar brasileira, frente ao desafio lançado pelo poeta: “o mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar”.